Houve um tempo em que os rio-grandinos faziam queixas ao exército de macacões que desembarcara na cidade. Em 2013, os 20 mil trabalhadores do polo naval impulsionavam a indústria e o comércio local, mas também provocavam filas em restaurantes, engrossavam congestionamentos e faziam com que os preços de aluguéis disparassem em razão da demanda. Sequer existiam lugares suficientes para que todos morassem — até delegacia tornou-se alojamento. O mais antigo município gaúcho questionava o preço a ser pago em prol do desenvolvimento.
Hoje, o cenário mudou. Rio Grande sente falta do movimento efervescente sinônimo de economia em alta. O número de metalúrgicos nos estaleiros, que havia despencado para 6 mil neste ano, entrou em queda livre na segunda-feira, quando 3,2 mil trabalhadores da Ecovix, o maior dos complexos ainda em operação na Região Sul, foram demitidos de uma só vez.
Fosse somente a dispensa dos metalúrgicos, o impacto na economia da cidade seria grande. Mas, em Rio Grande, o consenso indica que o desligamento coletivo causa efeito dominó nos negócios.
— Não representam somente 3,2 mil demissões. Existem ainda as empresas terceirizadas e a mão de obra indireta, como ônibus, restaurantes e aluguéis. Esse número de postos de trabalho perdidos pode duplicar. A cidade inteira vai sentir o reflexo, não apenas o pessoal da Ecovix — prevê Rogério Betança, um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de Rio Grande e São José do Norte.
As demissões acentuam a crise financeira que já estava estabelecida. Em meados de 2005, previa-se que a população rio-grandina duplicaria e chegaria a 400 mil com o progresso impulsionado pelos estaleiros. Estimulados pelos governantes, empresários investiram para atender ao crescimento: construíram hotéis, inauguraram restaurantes e ampliaram o comércio.
— Políticos chegavam à cidade e falavam: “Vocês vão ver o cavalo passar encilhado? Tem de investir”. Na realidade, não se conseguiu nem pagar o investimento feito. Esses mais de 3 mil desempregados caem como uma bomba no comércio — resume o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas da cidade, Luiz Carlos Zanetti.
Impactados pelo anúncio do corte no quadro da Ecovix, prestadores de serviços para a companhia e seus trabalhadores ainda calculam os prejuízos à vista. Entre eles, está a Universal Turismo, empresa de ônibus responsável pelo transporte dos metalúrgicos.
A Ecovix representava 30% do faturamento. Com o rompimento imediato do contrato, o proprietário, Renan Lopes, projeta a demissão de ao menos 30 de seus 78 funcionários e contabiliza dificuldades para pagar as rescisões.
— Havia a promessa de que os estaleiros teriam demanda por novas plataformas da Petrobras durante 20 anos e depois continuariam fazendo reformas em plataformas e navios. Com as demissões, vou liberar o estacionamento dos ônibus, vender veículos e mandar parte do pessoal embora.
Um dos reflexos estava no pátio da Universal Turismo lotado ontem à tarde, com mais de 50 ônibus parados. Às margens da BR-392, em frente ao pórtico do Estaleiro Rio Grande, outro sintoma dos desligamentos. Proprietário de um trailer de refeições coberto de lona frequentado quase que exclusivamente pelos trabalhadores, José Machado encerrará as atividades:
— Todo mundo fica triste, porque é uma cadeia que gera emprego. Como o estaleiro parou, também vai parar meu estabelecimento, a entrega do gás, o fornecimento de gelo, os serviços em torno do que a gente faz. São ao menos mais sete desempregados.
No centro da cidade, mais previsões de demissões. O restaurante Paladar acostumou-se às filas diárias na espera para o almoço na época em que três plataformas de petróleo estavam sendo construídas simultaneamente em Rio Grande. Diante da maré positiva, em uma década, o estabelecimento triplicou de tamanho e ampliou a capacidade para servir 600 refeições por dia. Ontem não passaram de 300 clientes e ninguém teve de aguardar para comer.
— Foi nos vendido um projeto, e esse projeto foi mentiroso — diz o proprietário, Miguel Barroco.
Fonte:Agencia RBS/Débora Ely