Fonte: BBC News Mundo
custo de importação de produtos da China disparou a níveis impensáveis.
“Se você costumava pagar US$ 2 mil para transportar um contêiner da China para a costa oeste dos Estados Unidos, agora tem que pagar US$ 20 mil”, explica Teddy Heinsen, presidente da Associação de Armadores da República Dominicana.
“É muito difícil”, diz ele à BBC Mundo, o serviço hispânico da BBC.
Por trás do aumento espetacular do valor do frete marítimo está a chamada “crise dos contêineres”, ou seja, uma incomum escassez de espaço disponível para o transporte de produtos da Ásia para o Ocidente.
Somam-se à falta de contêineres os congestionamentos que existem nos maiores portos internacionais e os fechamentos temporários de alguns terminais marítimos chineses devido a medidas rígidas de controle da pandemia de covid-19.
Como uma engrenagem sem óleo, quando uma das peças fica presa, todo o sistema é interrompido.
Agora que a economia internacional começou a se recuperar e os consumidores em diferentes países querem mais produtos, o sistema de transporte marítimo global está lutando para atender a essa demanda.
Uma demanda que vai aumentar à medida que nos aproximamos das festas de fim de ano.
Por isso, importadores de todos os tipos de produtos, principalmente eletrônicos, antecipam dificuldades na época das compras de Natal.
“Não há navios suficientes, não há contêineres suficientes e há muitos atrasos nos portos para entrar e sair. Isso afeta a cadeia logística”, diz Heinsen.
“A maioria dos importadores está fazendo suas compras de Natal agora”, acrescenta. Mas como a situação é tão desafiadora, “é muito provável que haja uma escassez de produtos de Natal porque eles não chegarão a tempo”.
Carlos Restaino, diretor executivo da Associação Argentina de Empresas de Brinquedos, tem percepção semelhante.
“O que está acontecendo é muito grave”, diz ele à BBC Mundo. “Não são apenas os brinquedos, é um problema geral.”
O preço de um contêiner da China até a Argentina dobrou, explica ele, mas os importadores temem que no final do ano o valor suba três ou quatro vezes.
“Não sabemos como isso pode afetar o preço que os consumidores pagarão, mas alguns brinquedos provavelmente não estarão disponíveis”, diz ele.
Restaino ressalta que as dificuldades não estão apenas relacionadas à escassez de contêineres ou gargalos nos portos.
“Algumas empresas chinesas estão fabricando menos”, diz, devido às restrições associadas à pandemia.
Como o gigante asiático impôs regras rígidas para controlar a propagação de novas ondas do vírus, quando há surtos em determinados locais, a produção atrasa e isso faz com que os prazos de entrega sejam estendidos.
Assim, cada vez que uma fábrica fecha ou cada vez que um porto fecha, algum importador fica sem sua entrega. E alguns consumidores ficam sem seus produtos.
Cerca de 80% das mercadorias que consumimos no mundo são transportadas por via marítima.
Especialistas em transporte marítimo dizem que a pandemia gerou uma das maiores crises da história desde que os contêineres começaram a ser usados na Segunda Guerra Mundial.
Todo o sistema de infraestrutura portuária está sobrecarregado”, diz John Manners-Bell, chefe-executivo da consultoria Transport Intelligence.
E os consumidores sentem isso quando veem atrasos na entrega do produto, escassez ou aumento de preços.
“Compre seus presentes de Natal agora”, alertou Steve Lamar, diretor executivo da American Shoe and Clothing Association, no final de julho.
Lamar descreveu o problema do transporte comercial como uma “crise marítima aguda”. Em uma carta ao presidente Joe Biden, ele pediu que o mandatário americano tomasse medidas para ajudar a encerrar “um ciclo destrutivo de longos atrasos e custos exorbitantes”.
A pandemia causou todo tipo de desequilíbrio na cadeia de abastecimento, desde a escassez de matéria-prima ou mão de obra até a falta de espaço em navios de carga e terminais marítimos.
Grande parte dessa situação é uma ressaca do ano passado. Quando as empresas reduziram suas compras em meio aos lockdowns, muitas empresas de transporte rodoviário também reduziram suas operações.
Mas quando a demanda reapareceu em muitas partes do mundo este ano, argumentam os especialistas, o sistema de transporte não estava preparado para responder a esse renascimento.
Se adicionarmos a isso o fechamento temporário de terminais portuários na China ou o fechamento de fábricas em países como Índia, Vietnã ou Bangladesh por conta da pandemia, o quebra-cabeça se complica.
Cerca de 80% das mercadorias que consumimos no mundo são transportadas por via marítima, segundo estimativas da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.
Portanto, se as taxas dos fretes por contêiner ficarem muito altas, isso acabará prejudicando os consumidores.
A “loucura” dos preços
De acordo com dados da Drewry Shipping, empresa que monitora os preços do frete marítimo globalmente e os publica em seu Drewry World Container Index, o custo de embarque de um contêiner de cerca de 12 metros em oito das principais rotas do Leste – Oeste chega a US$ 9.613 (quase R$ 50 mil), um aumento de 360% em relação ao ano anterior.
O maior aumento de preço ocorreu na rota marítima entre Xangai e Rotterdam, na Holanda, onde o custo subiu 659%.
Na América Latina, a situação varia de país para país e os preços mudam substancialmente quando se trata de uma pequena empresa com pouco poder de barganha ou de uma gigante que atinge grande volume.
Por exemplo, o custo de envio de um contêiner entre Xangai e a América do Sul antes da pandemia era de cerca de US$ 2.000 (R$ 10 mil) em média.
Agora, porém, já passou de US $ 7 mil (R$ 36 mil), segundo estimativas de especialistas do Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID.
Esses números estão variando constantemente.
À BBC Mundo, o professor da Harvard Business School Willy Shih explicou que a crise do transporte marítimo tem efeitos que se estendem ao restante da economia.
“Muitos custos logísticos atingiram recordes e eventualmente alguém tem que pagar por eles”, explica o pesquisador. “Possivelmente serão os consumidores.”
Outro grande desafio, acrescenta, é que as pequenas empresas que não conseguem repassar custos ficarão expostas a uma situação crítica em suas finanças.
Alguns podem até ter que fechar suas portas.
Mas até que essa situação crítica seja atingida, os empresários estão tentando antecipar suas importações de Natal porque os próximos meses serão complexos.
Donald Nairn, proprietário da empresa escocesa de brinquedos Toys Galore, disse à BBC que quase todos os seus fornecedores o alertaram de que haverá escassez de produtos no Natal.
E neste ponto do ano, “pelo menos metade aumentou os preços”, disse Nairn.
Especialistas concordam que os problemas logísticos para o transporte de produtos continuarão até grande parte de 2022
“Faremos o nosso melhor para absorver os custos, mas inevitavelmente haverá aumentos de preços.”
No caso particular do Reino Unido, a crise global do transporte marítimo é agravada pelos efeitos do Brexit e pela escassez de caminhoneiros para transportar produtos, uma mistura que não é um bom presságio para os resultados.
Por quanto tempo?
Do jeito que as coisas estão agora, os especialistas concordam que os problemas logísticos para o transporte de produtos continuarão até grande parte de 2022.
Empresas como Adidas, Crocs e Hasbro já alertaram que se preparam para um final de ano difícil devido a interrupções logísticas.
Um dos maiores desafios que eles enfrentam é ter que tomar decisões de negócios sem saber o que acontecerá com a variante delta e como isso afetará as taxas de frete marítimo.
Por exemplo, o fechamento parcial do porto chinês de Ningbo-Zhousha em agosto, depois que um trabalhador portuário teve um caso confirmado de covid-19, obrigou as principais companhias marítimas internacionais – como Maersk ou Hapag-Lloyd – a buscar outras alternativas portuárias e avisar os clientes sobre atrasos.
A fabricante de brinquedos Hasbro, por exemplo, projeta que seus custos de remessa serão em média quatro vezes maiores do que no ano passado.
A médio prazo, empresários e especialistas estão preocupados com os surtos futuros da covid-19 e com a extensão em que a China e outras nações portuárias importantes terão de continuar a aplicar regulamentos rígidos para proteger suas populações.
“Talvez tenhamos sorte e a situação melhore constantemente a partir daqui, ou talvez esse descompasso entre a oferta e a demanda vá durar vários anos”, escreveu Stavros Karamperidis, professor de Economia Marítima da Universidade de Plymouth, no Reino Unido.
Se os altos preços do frete marítimo permanecerem, acrescentou ele, o debate sobre se é sensato confiar tanto na China para centro industrial mundial tende a crescer.
O fechamento parcial do porto de Ningbo-Zhousha na China em agosto causou graves interrupções nos embarques internacionais
Com as relações entre a China e o Ocidente sob tensão contínua e a ideia de que a globalização pode dar lugar a um processo de regionalização da pandemia, alguns analistas começaram a argumentar que os bens deveriam ser produzidos “mais perto de casa”.
Por enquanto, o grande desafio do varejo é atender à demanda do Natal.